Considerada um problema de saúde pública, a prática do bullying têm tomado dimensões cada vez maiores na vida de crianças e adolescentes no mundo todo. No Brasil, os últimos dados do IBGE, divulgados em 2016, já apontavam para números alarmantes. A pesquisa mostrou que 46,6% dos estudantes entrevistados já sofreram algum tipo de bullying.
Os motivos variam da aparência física até coisas mais subjetivas como hábitos e comportamentos, passando por capacidade cognitiva e posição social. A forma cada vez mais radicalizada e contundente com que os casos se manifestam, também é motivo de preocupação para escolas e famílias que procuram, cada um à sua maneira, formas de lidar com o problema.
Pesquisadores, educadores e instituições do mundo todo procuram compreender as causas do bullying e propor estratégias para conter o fenômeno, afim de garantir uma infância e uma adolescência mais segura e um ambiente escolar, no qual seja possível aprender e se desenvolver sem grandes riscos à saúde física e emocional.
Fora do país há exemplos de iniciativas bem-sucedidas que podem servir como referência por aqui e nos ajudar a pensar alternativas. Na França, algumas instituições atuam de forma mais incisiva, implementando projetos que envolvem a contratação de profissionais de uma especialidade ainda pouco conhecida no Brasil, a arteterapia.
Foi o caso do Centre Scolaire Notre Dame Du Bon Accueil, na cidade de Nantes. A escola onde funcionam ensino fundamental e médio em regime de internato, recebe estudantes com dificuldades cognitivas e comportamentais, decorrentes de fatores psicossociais. São acolhidos alunos cujas famílias não conseguem proporcionar o suporte necessário para que possam ter garantido o seu desenvolvimento escolar.
A brasileira Cláudia Cavicchia, especialista em arteterapia pela Faculdade de Medicina e Farmácia de Poitiers e licenciada em estudos teatrais pela Nouvelle Souborne – Paris III, atuou neste projeto e conta como o Notre Dame Du Bon Accueil, conseguiu obter resultados positivos na prevenção e remediação da prática do bullying.
Cavicchia trabalhou na identificação e valorização de competências psicossociais procurando controlar ou extinguir comportamentos nocivos. Dentre as competências desenvolvidas, a mais importante, foi a empatia. As atividades tiveram como foco o a capacidade de se colocar no lugar do outro, aceitar a diferença e naturalizá-la.
As linguagens utilizadas foram as mais variadas. A especialista conta que com crianças menores, as marionetes funcionaram muito bem, assim como os jogos teatrais para os mais velhos, além do desenho e modelagem em argila, que são ótimos para trabalhar a impulsividade e a agressividade.
Ela explica que “A diferença entre a arteterapia e a aula de arte tradicional, é que o objetivo da primeira, não é a transmissão da técnica, mas o desenvolvimento da pessoa. Cabe ao profissional identificar qual é a dificuldade, onde ela se manifesta e trabalha-la. Já à família, cabe a tarefa de motivar o aluno a participar das atividades desenvolvidas no ambiente escolar.”
Mas a prevenção do bullying não precisa ser um projeto. Pequenas ações diárias podem ser bastante eficientes neste sentido. A professora livre-docente e pesquisadora da UNESP Bauru, Larissa Pelúcio, comenta sobre o período em que atuou como professora de história no Sapiens “Sempre procurei ampliar o repertório dos estudantes quanto à cultura e a pluralidade humana e fazê-los compreender o mundo pela chave da diferença.”
Pensar pela chave da diferença e da diversidade não são a mesma coisa. Enquanto na da diferença, admitimos as diferenças e convivemos, na diversidade, as fronteiras são mantidas. “As pessoas podem pensar - Pode ter diversidade, desde que ela fique na periferia, na aldeia indígena. Opa, talvez os indígenas nem mereçam este pedaço de terra porque não são mais índios - A gente se arvora sobre o direito de julgar o que o outro é, como se as culturas não fossem todas dinâmicas”, explica Pelúcio.
A pesquisadora lembra que no Brasil, a diferença sempre foi vista pelo modo da desigualdade marcada ainda por questões raciais e regionais. O acesso à internet potencializou isso, devido à circulação acelerada de ideias, aumentando as fricções e tensões.
Pelúcio explica que “o efeito devastador do bullying se deve também ao fato da escola não ter sido, historicamente, um lugar de acolhimento da diferença, mas sim um local onde se espera que todos sejam iguais. Neste sentido, é importante que as famílias estejam comprometidas na tarefa de apoiar as crianças e adolescentes no enfrentamento do bullying, motivando-os a serem empáticos e a acolher as diferenças dentro e fora da escola.”
IMAGEM - FONTE: Coral das Crianças, Candido Portinari